A redução, por lei, da jornada de trabalho 6×1 (seis dias de trabalho por um de descanso), de 44 horas para 36 horas semanais, como consta de proposta de emenda à Constituição (PEC) apresentada pela deputada Erika Hilton (PSOL-SP), não é viável, afirma o sociólogo José Pastore, especialista em relações trabalhistas.
— O aumento na folha salarial do país será de 18%. É uma coisa estratosférica —, afirma, acrescentando que isso demandaria um aumento de produtividade da mesma ordem.
Para ele, o caminho para uma mudança nessa direção passa obrigatoriamente por um modelo de implementação progressiva e acordado em negociação coletiva.
Reduzir a jornada 6×1 é viável?
Seis por um é uma coisa, 36 horas é outra. No Brasil de hoje, (a jornada) 6×1 já está muito mesclada com a 5×2. Muitos setores já trabalham assim, aqueles que podem.
Agora, reduzir para 36 horas é um impacto econômico que não pode ser desprezado, porque é muito grande.
Não seria absorvível?
Os aumentos salariais anualmente giram em torno de 1,5% a 2%. Essa magnitude é negociada entre as partes, e é o que a sociedade tolera em toda as frentes.
Se reduzir a jornada de 44 horas para 36 horas, o aumento da folha salarial do país será de 18%. É uma coisa estratosférica.
E isso vai atingir também o setor público, porque tem muitas áreas em que os servidores são celetistas, e não trabalham 36 horas, trabalham 40 horas, 42 horas, 44 horas.
Então, uma pancada repentina de 18% no custo do trabalho faria com que as empresas tenham pela frente um enorme desafio.
Algumas tentariam passar isso para o preço, mas nem todas conseguem. Aquelas que não conseguem talvez tenham que optar pela informalidade, que já é enorme no país, de quase 40%.
Mas uma boa parte simplesmente quebraria. E isso destruiria uma quantidade de emprego monumental. Não é possível se fazer isso por lei. Agora, se você falar que vamos fazer isso via negociação, tudo bem. Dá tudo certo. É assim que os países fazem no mundo inteiro.
A proposta defende que a mudança seja feita de forma progressiva…
Essa forma progressiva é a que melhor se encaixa na negociação coletiva. E negociação coletiva já existe no Brasil, já existe no mundo inteiro exatamente para fazer de maneira progressiva.
Aqueles setores que podem fazer vão fazer, vão reduzir o que acham tolerável, e as partes são assistidas pelos seus sindicatos e vão também se inteirando daquilo que é viável e daquilo que é inviável.
Então, é uma maneira inteligente de fazer, (de forma) progressiva, certamente, que é mais ajustada a aquilo que é o padrão mundial de redução de jornada.
Mas pressupõe um aumento de produtividade.
Um aumento de 18% (do custo da folha salarial), teoricamente só poderia ser realizado se você tivesse um aumento de 18% de produtividade.
Esse número é impensável no campo da produtividade, que aumenta meio por cento, 1%, 2%. Além do mais, o Brasil está com a produtividade muito baixa, muito aquém de outros países, e isso tem sido uma constante.
Se você pegar ao longo dos (últimos) 30 ou 40 anos, o Brasil não tem uma curva de produtividade, ele tem uma linha horizontal parada e que parece mais um eletrocardiograma de morto, não se mexe.
Não tem a menor possibilidade de falar que vamos compensar isso com ganhos de produtividade.
É uma pancada de aumento muito agressiva, de grande magnitude. Não tem condições de querer que a economia continue funcionando normalmente com a elevação do custo do trabalho dessa maneira.
Países que têm testado a jornada de quatro dias relatam ganho em produtividade.
Tem jornada de quatro dias, não tem nem dúvida. São países que fizeram isso através de negociação e pari passu com os ganhos de produtividade.
Por que está havendo um aumento de ações trabalhistas no país?
Isso voltou a ser um problema grave depois que a Justiça do Trabalho tomou algumas decisões contrárias à Reforma Trabalhista (aprovada no governo Michel Temer). Uma delas foi considerar a Justiça do Trabalho gratuita para todas as pessoas.
A lei trabalhista foi muito clara: é gratuita para quem ganha até R$ 3 mil por mês. Quem ganha mais que isso tem que comprovar que está com uma dificuldade econômica séria.
Mas Justiça do Trabalho resolveu adotar um “liberou geral”.
E isso é um convite para advogados inescrupulosos — porque há muito advogado sério no país —, que falam assim: “Opa, não tenho nada a perder, vou entrar com ação. Vou fazer 30 pedidos”.
Dá um trabalho enorme para o juiz e cria uma despesa enorme para o erário público. Então, a Justiça do Trabalho, de um modo geral, parece que ainda não está convencida de que a reforma trabalhista é uma lei e que o juiz tem que seguir essa lei.
Isso vai esvaziando a reforma?
Exatamente. Tem vários outros fatores, eu citei um. Há vários outros solapando a reforma. Esses juízes estão inconformados com a lei e prolatam sentenças que são contra a lei e às vezes até contra a Constituição.
Mas são em benefício do trabalhador? Qual a motivação?
A motivação é ajudar o trabalhador, mas no fim das contas acaba prejudicando, porque quando o juiz prolata uma sentença dentro do bom espírito humanista, humanitário, de ajudar o trabalhador, precisa entender que a economia vai reagir em relação a essa sentença.
E essa reação pode ser no sentido de ajudar o trabalhador, mas pode ser no sentido de prejudicá-lo.
Por exemplo, quando se prolata sentenças uma atrás da outra, como está acontecendo agora, e que são contra aquilo que está na lei, os agentes econômicos se sentem inseguros, desnorteados e retraem os investimentos, retraindo os empregos, e isso prejudica os trabalhadores.
As sutilezas que estão ocorrendo na conduta da Justiça do Trabalho estão enfraquecendo a Reforma Trabalhista.