Trabalho. 17/11/2024 07:04

Mudar escala 6×1 ‘destruiria quantidade de emprego monumental’, diz sociólogo José Pastore

Redução da jornada de trabalho para 36 horas teria de ser acordada em negociação coletiva, defende especialista, ou elevaria custo da folha salarial em 18%, mas produtividade não subiria no mesmo ritmo para compensar perdas

A redução, por lei, da jornada de trabalho 6×1 (seis dias de trabalho por um de descanso), de 44 horas para 36 horas semanais, como consta de proposta de emenda à Constituição (PEC) apresentada pela deputada Erika Hilton (PSOL-SP), não é viável, afirma o sociólogo José Pastore, especialista em relações trabalhistas.

— O aumento na folha salarial do país será de 18%. É uma coisa estratosférica —, afirma, acrescentando que isso demandaria um aumento de produtividade da mesma ordem.

Para ele, o caminho para uma mudança nessa direção passa obrigatoriamente por um modelo de implementação progressiva e acordado em negociação coletiva.

Reduzir a jornada 6×1 é viável?

Seis por um é uma coisa, 36 horas é outra. No Brasil de hoje, (a jornada) 6×1 já está muito mesclada com a 5×2. Muitos setores já trabalham assim, aqueles que podem.

Agora, reduzir para 36 horas é um impacto econômico que não pode ser desprezado, porque é muito grande.

Não seria absorvível?

Os aumentos salariais anualmente giram em torno de 1,5% a 2%. Essa magnitude é negociada entre as partes, e é o que a sociedade tolera em toda as frentes.

Se reduzir a jornada de 44 horas para 36 horas, o aumento da folha salarial do país será de 18%. É uma coisa estratosférica.

E isso vai atingir também o setor público, porque tem muitas áreas em que os servidores são celetistas, e não trabalham 36 horas, trabalham 40 horas, 42 horas, 44 horas.

Então, uma pancada repentina de 18% no custo do trabalho faria com que as empresas tenham pela frente um enorme desafio.

Algumas tentariam passar isso para o preço, mas nem todas conseguem. Aquelas que não conseguem talvez tenham que optar pela informalidade, que já é enorme no país, de quase 40%.

Mas uma boa parte simplesmente quebraria. E isso destruiria uma quantidade de emprego monumental. Não é possível se fazer isso por lei. Agora, se você falar que vamos fazer isso via negociação, tudo bem. Dá tudo certo. É assim que os países fazem no mundo inteiro.

A proposta defende que a mudança seja feita de forma progressiva…

Essa forma progressiva é a que melhor se encaixa na negociação coletiva. E negociação coletiva já existe no Brasil, já existe no mundo inteiro exatamente para fazer de maneira progressiva.

Aqueles setores que podem fazer vão fazer, vão reduzir o que acham tolerável, e as partes são assistidas pelos seus sindicatos e vão também se inteirando daquilo que é viável e daquilo que é inviável.

Então, é uma maneira inteligente de fazer, (de forma) progressiva, certamente, que é mais ajustada a aquilo que é o padrão mundial de redução de jornada.

Mas pressupõe um aumento de produtividade.

Um aumento de 18% (do custo da folha salarial), teoricamente só poderia ser realizado se você tivesse um aumento de 18% de produtividade.

Esse número é impensável no campo da produtividade, que aumenta meio por cento, 1%, 2%. Além do mais, o Brasil está com a produtividade muito baixa, muito aquém de outros países, e isso tem sido uma constante.

Se você pegar ao longo dos (últimos) 30 ou 40 anos, o Brasil não tem uma curva de produtividade, ele tem uma linha horizontal parada e que parece mais um eletrocardiograma de morto, não se mexe.

Não tem a menor possibilidade de falar que vamos compensar isso com ganhos de produtividade.

É uma pancada de aumento muito agressiva, de grande magnitude. Não tem condições de querer que a economia continue funcionando normalmente com a elevação do custo do trabalho dessa maneira.

Países que têm testado a jornada de quatro dias relatam ganho em produtividade.

Tem jornada de quatro dias, não tem nem dúvida. São países que fizeram isso através de negociação e pari passu com os ganhos de produtividade.

Por que está havendo um aumento de ações trabalhistas no país?

Isso voltou a ser um problema grave depois que a Justiça do Trabalho tomou algumas decisões contrárias à Reforma Trabalhista (aprovada no governo Michel Temer). Uma delas foi considerar a Justiça do Trabalho gratuita para todas as pessoas.

A lei trabalhista foi muito clara: é gratuita para quem ganha até R$ 3 mil por mês. Quem ganha mais que isso tem que comprovar que está com uma dificuldade econômica séria.

Mas Justiça do Trabalho resolveu adotar um “liberou geral”.

E isso é um convite para advogados inescrupulosos — porque há muito advogado sério no país —, que falam assim: “Opa, não tenho nada a perder, vou entrar com ação. Vou fazer 30 pedidos”.

Dá um trabalho enorme para o juiz e cria uma despesa enorme para o erário público. Então, a Justiça do Trabalho, de um modo geral, parece que ainda não está convencida de que a reforma trabalhista é uma lei e que o juiz tem que seguir essa lei.

Isso vai esvaziando a reforma?

Exatamente. Tem vários outros fatores, eu citei um. Há vários outros solapando a reforma. Esses juízes estão inconformados com a lei e prolatam sentenças que são contra a lei e às vezes até contra a Constituição.

Mas são em benefício do trabalhador? Qual a motivação?

A motivação é ajudar o trabalhador, mas no fim das contas acaba prejudicando, porque quando o juiz prolata uma sentença dentro do bom espírito humanista, humanitário, de ajudar o trabalhador, precisa entender que a economia vai reagir em relação a essa sentença.

E essa reação pode ser no sentido de ajudar o trabalhador, mas pode ser no sentido de prejudicá-lo.

Por exemplo, quando se prolata sentenças uma atrás da outra, como está acontecendo agora, e que são contra aquilo que está na lei, os agentes econômicos se sentem inseguros, desnorteados e retraem os investimentos, retraindo os empregos, e isso prejudica os trabalhadores.

As sutilezas que estão ocorrendo na conduta da Justiça do Trabalho estão enfraquecendo a Reforma Trabalhista.

Ricardo Rosado de Holanda


Descrição Jornalista