Saúde 18/10/2024 16:39

‘Fui na esperança de enxergar’: veja relatos de pacientes infectados em mutirão de cataratas no RN

Nove pacientes haviam precisado retirar o globo ocular até esta quinta-feira (17) após confirmação da infecção, que atingiu 15 pessoas, durante um mutirão de cirurgias

O mutirão de cirurgias de catarata que terminou com 15 pacientes infectados por uma bactéria – sendo que 9 precisaram retirar o globo ocular – reuniu moradores de Parelhas, cidade a 245 quilômetros de Natal, que tinham, em comum, o desejo de enxergar melhor após o diagnóstico da catarata.

Muitos dos pacientes viviam situações parecidas ao esperarem na rede pública uma oportunidade de realizar a cirurgia após o diagnóstico da doença em anos anteriores.

Ao todo, 48 pacientes foram atendidos no mutirão realizado pela prefeitura da cidade nos dias 27 e 28 de setembro na Maternidade Dr. Graciliano Lordão. Das 20 pessoas operadas no primeiro dia, 15 apresentaram endoftalmiteuma infecção ocular causada pela bactéria Enterobacter cloacae.

g1 reuniu relatos de alguns desses pacientes infectados – uns que permaneciam em tratamento, outros que tiveram o globo ocular retirado – e de parentes que também buscam justiça no caso.

Segundo a prefeitura de Parelhas, os pacientes infectados são oito homens e sete mulheres que tem entre 43 a 80 anos de idade.

Veja relatos de pacientes

A costureira Vitória Dantas, de 49 anos, sofreu a infecção da bactéria durante a cirurgia e precisou passar por um procedimento chamado de vitrectomia, que consiste em substituir um gel que fica dentro do olho. Ela, no entanto, não precisou retirar o globo ocular – mas teme que isso ainda seja necessário, uma vez que ficou sem enxergar pelo olho infectado.

“Muita tristeza, porque eu fui na esperança de enxergar, não sei se eu vou enxergar. É triste, porque eu trabalhava, fazia minhas atividades físicas, que eu gosto, que ocupava minha mente. E hoje eu estou dentro de casa, sem poder fazer nada disso”, disse.

O filho mais velho dela, Maurício Dantas, disse que “o medo de perder o olho ainda está presente” no dia a dia da mãe. Ele se mudou de Natal, onde fazia faculdade, para ajudar a mãe em Parelhas nesse momento.

Maurício Dantas com a mãe, Vitória Dantas (que passou por cirurgia de catarata) e o irmão dele — Foto: Arquivo pessoal/cedida

Maurício Dantas com a mãe, Vitória Dantas (que passou por cirurgia de catarata) e o irmão dele — Foto: Arquivo pessoal/cedida

Iara Medeiros, filha da paciente Luzia Medeiros, contou que o momento mais difícil após a infecção foi quando a família foi informada sobre a necessidade da retirada do globo ocular.

“A gente foi na esperança de enxergar e, de repente, você ter a certeza de que você não vai mais enxergar”, lamentou Iara Medeiros.

A filha da paciente Maria Ernesto, Silvania Alves, contou que a mãe recebeu a recomendação para fazer a cirurgia de catarata há cerca de dois anos, após uma consulta, e estava esperançosa.

“E aí ela ficou esperando na fila para ser chamada. Hoje ela está sem o olho e enxergando só pelo olho esquerdo”, disse Silvania Alves.

A cabelereira Izabel Maria dos Santos Souza, de 63 anos, foi a primeira que precisou retirar o globo ocular após a infecção na cirurgia.

“O psicológico dela está bem mexido, tanto para ela quanto para a família também, por ter precisado tirar o olho”, contou um dos filhos dela, Evandro Santos.

Izabel Maria dos Santos Souza, de 63 anos, foi uma das pacientes que perdeu o olho após infecção no RN — Foto: Cedida

Izabel Maria dos Santos Souza, de 63 anos, foi uma das pacientes que perdeu o olho após infecção no RN — Foto: Cedida

A gerente Andréia dos Santos disse que a família quer Justiça após o pai, o agricultor Francisco André dos Santos, também ter precisado retirar o globo ocular por conta da infecção bacteriana no mutirão.

“Tínhamos muita fé que ele voltasse a enxergar, mas infelizmente foi necessário [a retirada do globo ocular]. E agora a gente só clama por Justiça. Não estou aqui para citar culpados, mas que se foi negligência ou fatalidade, que a Justiça descubra e seja feita. Que meu pai não seja o único a ser penalizado”, disse.

A doméstica Rita de Cássia da Silva não perdeu o globo ocular, mas permanecia em tratamento por conta da infecção e da visão, que ficou afetada após a cirurgia.

“Estamos aqui pedindo a Deus para eu continuar tendo uma visão melhor. Mas da vista que eu estava [logo após a cirurgia], eu estou bem melhor, graças ao meu bom Deus. Estou conseguindo ver pouco a pouco, mas estou”, disse.

Nove pacientes: número aumentou

Subiu para nove o número de pacientes que perderam o globo ocular após serem infectados por uma bactéria em um mutirão de cirurgias de catarata na cidade de Parelhas, distante 245 quilômetros de Natal.

O número foi atualizado, segundo o Município, após uma reunião na manhã desta quinta-feira (17) com os 15 pacientes que foram infectados e tiveram complicações após o procedimento. Até então, havia a confirmação de que oito haviam precisado retirar o globo ocular.

A reunião ocorreu como parte das investigações referentes ao Inquérito Civil instaurado pelo Município.

Segundo a prefeitura, dos 15 pacientes que tiveram complicações após as cirurgias de catarata, 9 perderam o globo ocular, 4 fizeram cirurgia de vitrectomia, e 2 estão em casa sendo acompanhados “com boa evolução do quadro, com mais de 80% do quadro infeccioso já solucionado, mas ainda não conseguem enxergar”.

Na reunião, segundo a prefeitura, “os pacientes puderam relatar sobre suas condições de saúde e os representantes da prefeitura reforçaram que todo o acompanhamento e suporte às famílias permanece ativo”.

A prefeitura também informou aos pacientes ainda “sobre a aquisição de próteses oculares e se colocou à disposição dos advogados das famílias presentes na reunião para seguir com a referida indenização”.

Diretor de maternidade questiona limpeza de material

Diretor da maternidade onde ocorreu um mutirão de cirurgias de catarata, Manoel Marques Bezerra Neto afirmou que não sabe como a empresa contratada para realizar as operações fez a limpeza dos equipamentos antes do primeiro dia.

De acordo com ele, as cirurgias foram realizadas no local por uma empresa contratada pela prefeitura municipal, e a maternidade apenas cedeu o espaço do centro cirúrgico. Ele ressaltou que não era responsabilidade da maternidade a limpeza e esterilização dos equipamentos, nem a cessão de equipamentos ou de pessoal para as cirurgias.

Autoclave, material de esterelização de equipamentos, na maternidade onde mutirão aconteceu — Foto: Ayrton Freire/Inter TV Cabugi

Autoclave, material de esterelização de equipamentos, na maternidade onde mutirão aconteceu — Foto: Ayrton Freire/Inter TV Cabugi

“Nós tivemos informações, inclusive constam em autos, que a empresa responsável pelo mutirão trouxe esse material até a maternidade, no primeiro dia, e, chegando aqui, solicitou a um funcionário do hospital municipal [anexo à maternidade] que fosse colocado na autoclave [equipamento usado para esterilização]. Assim foi feito”, disse.

Ainda de acordo com o diretor da maternidade, já no segundo dia do mutirão os materiais usados nas cirurgias foram limpos e esterilizados dentro do protocolo estabelecido na unidade de saúde.

O Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN) informou que instaurou um procedimento para apurar os fatos. “Uma reunião já foi realizada com a Prefeitura e Procuradoria da cidade e diligências foram encaminhadas”, informou o MP.

Empresa diz que equipamentos foram lavados

A empresa Oculare Oftalmologia Avançada, responsável pelas cirurgias, afirmou em nota que o mutirão foi conduzido por “oftalmologista experiente, tendo seguido os protocolos médicos e de segurança exigidos”.

Ainda no comunicado, a empresa disse que realizou o mutirão na maternidade por indicação do município, “utilizando-se de sua estrutura para tanto (sala cirúrgica, cubas, iodo, sala de esterilização, autoclave e panos estéreis das mesas de operação)”.

“Sobre os materiais utilizados durante as cirurgias, destacamos que os instrumentos foram lavados e entregues à equipe técnica da Maternidade Graciliano Lordão para a devida esterilização em autoclave. Após o processo de esterilização, os instrumentos foram encaminhados para a sala cirúrgica e organizados para início das atividades”, informou por meio de nota.

No entanto a empresa não informou onde os materiais foram lavados. A empresa ressaltou que não possuía registros de infecções em cirurgias realizadas. “O oftalmologista responsável pelas cirurgias em Parelhas/RN possui em seu histórico mais de 2.000 cirurgias realizadas com sucesso e satisfação, lamentando o ocorrido (em investigação)”.

Deu em G1/RN

Ricardo Rosado de Holanda


Descrição Jornalista