Crianças 27/09/2024 18:26
Pais podem escolher os amigos dos filhos? Entenda os riscos de interferir nas relações das crianças
Pesquisa indica que a maneira como os pais lidam com o assunto pode impactar outras relações da criança. Especialista avalia que diálogo é o segredo na hora de orientar os pequenos.
Quando Pedro*, de 10 anos, estava começando uma amizade com Gabriel*, seu colega de classe, a carioca Marcela*, mãe de Pedro, ficou preocupada com alguns comportamentos exibidos pelo amigo.
Depois de um tempo, ao concluir que o menino poderia ser uma má-influência para o filho, ela decidiu interferir para a amizade entre eles não avançar.
Marcela conta que que tomou a decisão após notar que Gabriel era desrespeitoso com professores e outros adultos, falava palavrões, e recebia um tipo de educação diferente da que ela oferece para os próprios filhos.
Gabriel e Pedro continuaram como colegas de escola, mas deixaram de conviver fora do horário escolar, o que causou um afastamento entre eles. A mãe acha que tomou a decisão acertada e diz que quer continuar a orientar os três filhos sobre o tipo de pessoa que eles devem ter por perto — mas o tema é polêmico.
Segundo um estudo publicado em julho no periódico internacional “Jornal de Psicologia e Psiquiatria Infantil”, a desaprovação materna de uma amizade pode ter um efeito contrário, aumentando a rejeição da criança cuja mãe desaprova a amizade entre os colegas, e piorando os problemas de comportamento da criança e dos colegas. (Veja mais abaixo.)
Entretanto, uma especialista ouvida pelo g1 diz que essas consequências podem ser evitadas. Abaixo, veja a orientação da especialista sobre como os pais devem agir em relação às amizades dos filhos, evitando prejuízos de relacionamento para a criança.
Segundo a psicóloga especializada em atendimentos familiares Joanna Carvalho, as amizades têm uma grande influência no processo de formação de personalidade de crianças e adolescentes.
Por isso, ela avalia que os pais podem e devem interferir em relações que ofereçam riscos aos filhos, desde que a decisão seja acompanhada de diálogos com a criança.
Os pais preocupados não devem excluir o colega, proibir a amizade ou forçar um afastamento. Em vez disso, devem conversar com o filho e explicar suas preocupações de uma maneira que a criança entenda.
“Não é para simplesmente anunciar para a criança: ‘A partir de hoje, você não vai mais ser amiga do Fulaninho.’ Em vez disso, explique que o Fulaninho teve um comportamento inadequado, que a atitude dele não foi legal, e que, por isso, eles não vão mais poder brincar na casa um do outro”, orienta Joanna Carvalho.
Também por isso, é importante que a motivação dos pais seja válida para a criança, e não seja apenas justificada como uma decisão com base na preferência dos adultos.
“Por natureza, as crianças são questionadoras e observadoras. Se a mãe explica que o colega agiu de uma maneira ruim, é provável que o filho vai ficar mais atento a isso no futuro, o que pode causar um afastamento natural entre as crianças.”
Segundo Marcela, foi exatamente isso que aconteceu entre Pedro e Gabriel.
“Em um primeiro momento, o Pedro ficou chateado, achou injusto. Mas depois ele chegou a me dizer que eu tinha razão, porque o colega foi desrespeitoso em uma situação. Então, eles continuam amigos, mas teve um afastamento”, lembra ela.
Ao decidir intervir em uma amizade do filho, os pais devem propor uma conversa franca com a criança, mas não a ponto de serem insensíveis ou sem considerar os dois lados daquela amizade.
Uma alternativa é fazer a própria criança chegar a uma conclusão. A especialista sugere o seguinte:
“É importante não falar as coisas de uma maneira impensada, porque a criança pode reproduzir esse discurso e causar uma situação de mal-estar. Apele para a racionalidade da criança e estimule o pensamento crítico”, indica a especialista.
Assim como outras intervenções dos pais na vida cotidiana dos filhos, a interferência nas amizades traz riscos positivos e negativos.
No estudo que avaliou o impacto negativo da interferência de mães na amizade dos filhos, a conclusão é de que as crianças podem ser prejudicadas pela ação das mães. O estudo em questão não considerou possíveis impactos positivos.
Brett Laursen, professor de psicologia e diretor de pós-graduação na Florida Atlantic University e um dos autores da pesquisa, explica que o objetivo não é culpar as mães, mas estimular o reconhecimento dos problemas que a atitude pode causar.
Ele propõe a seguinte reflexão:
Em contrapartida, Joanna Carvalho diz que “outros estudos comportamentais indicam que a criança cujos pais são mais atentos às amizades e referências dos filhos têm menor propensão a sofrer com exclusão e problemas de socialização”.
“No final das contas, trata-se de como e por quê a interferência acontece. Porque o filho não pode ser tratado como um objeto de posse dos pais, e nem os amigos devem ser tratados como acessórios removíveis. Mas assim como os adultos se afastam de pessoas que consideram uma má influência por assim dizer, as crianças também devem ser orientadas a identificar esses traços em outras crianças”, diz a psicóloga.
“Como pais, temos o dever de orientar, mas não podemos decidir [sobre as relações dos filhos]. Eu não tenho a ilusão de que eu vou conseguir escolher os amigos [dos meus filhos]. A decisão acaba sendo deles. Mas enquanto eu puder dar uma orientação para eles, vou fazer isso”, conclui Marcela.
*Os nomes das pessoas envolvidas foram alterados para evitar a identificação.
Descrição Jornalista
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