Artigo 15/04/2023 19:00

A adesão de Lula ao eixo Pequim-Moscou é ideológica, não pragmática (Artigo)

Não se trata de “equilibrar a geopolítica mundial" ou de "mudar a governança mundial" . Trata-se de substituir democracia por tirania

Alguns jornalistas brasileiros, ao comentar a visita de Lula à China, mostram que não entendem nada do que ocorre no mundo.

Estamos vivendo o prenúncio do que pode ser a Terceira Guerra Mundial, mas eles culpam os Estados Unidos pelo que está ocorrendo, enquanto festejam o que seria o pragmatismo do presidente da República.

Os americanos cometeram e cometem barbaridades, mas a sua democracia revela, pune culpados e regenera-se continuamente. Chineses e russos cometeram e cometem barbaridades, mas os seus regimes autoritários, que fazem terra arrasada dos direitos humanos, escondem, punem inocentes e endurecem-se. Isso faz toda a diferença.

O mundo sob hegemonia dos Estados Unidos não é paraíso, mas purgatório; o mundo sob hegemonia da China e da Rússia seria inferno.

Leio nos nossos jornais que os Estados Unidos erram ao tratar a Rússia como inimiga e a China como adversária, sob a velha lógica da Guerra Fria. Risível.

É exatamente o contrário: é a Rússia que revive a lógica da Guerra Fria, porque Vladimir Putin nutre ódio irracional pelo Ocidente e quer ressuscita o império soviético. Ele diz isso, não o Departamento de Estado americano. Ele faz isso, não Washington.

A Rússia ocupou a Crimeia, em 2014, e pretendeu apagar a Ucrânia do mapa, invadindo o vizinho em 2022, a fim de anexá-lo, em aberto desprezo a todas as leis do direito internacional. O seu exército massacra civis, sequestra crianças e arrasa cidades inteiras.

É para conter os russos que os Estados Unidos ajudam os ucranianos, não para destruir a Rússia.

Vladimir Putin atacou a Ucrânia a pretexto de defender a minoria ucraniana de língua russa de “neonazistas” e porque, segundo alegou, o país poderia entrar para a Otan, uma aliança militar que ameaçaria a Rússia. De novo, é exatamente o contrário: quem utiliza neonazistas — os que que integram o grupo paramilitar da Wagner —, para atacar a Ucrânia, é Moscou.

E a minoria de língua russa vem fazendo questão de usar o ucraniano como língua do dia-a-dia, horrorizada que está com Vladimir Putin.

A Ucrânia queria entrar na Otan, antes de ser invadida, mas a aliança militar ocidental rechaçava a ideia, justamente para evitar conflito com a Rússia e pelo fato de o seu estatuto impedir a aceitação de um país que esteja em guerra com outro, caso da Ucrânia, que teve a Crimeia ocupada e, desde então, mesmo antes da invasão de 2022, lutava contra russos no leste do país.

A Otan não foi criada para lançar uma guerra contra a Rússia, mas para defender-se dela. Depois da agressão à Ucrânia, as até então neutras Finlândia e Suécia, por medo de Vladimir Putin, aderiram à aliança militar, e a própria Ucrânia poderá vir a ser aceita, uma vez terminado o conflito.

Ou seja, o ditador russo conseguiu fazer com que a Otan se fortalecesse com novos integrantes e também entre os antigos, muitos do quais nutriam a ilusão de que a Rússia não representava mais grande ameaça e que a aliança militar estava destinada a se dissolver.

Sob Xi Jinping, a China já não se contenta mais em ser superpotência econômica. Quer ser superpotência militar. Está se armando rapidamente.

O seu arsenal já conta com mais de 400 ogivas nucleares e o Pentágono estima que, se o ritmo de expansão continuar, Pequim deverá contar com 700 ogivas em 2027, 1.000 em 2030 e 1.500 em 2035. Hoje, os Estados Unidos têm 5.428 e a Rússia, 5.977.

Ou seja, dentro em breve, dois regimes autoritários e imperialistas à moda antiga, que não veem problema em tomar à força territórios alheios, terão mais ogivas nucleares somadas do que as democracias americana, britânica e francesa juntas.

A China prepara-se para tomar Taiwan. Quando Richard Nixon retomou o diálogo com a China, em 1972, por meio da “diplomacia do ping-pong”, a condição era que Pequim buscasse absorver Taiwan pacificamente, mantendo a democracia na ilha.

Foi nesses termos que o Reino Unido devolveu Hong Kong a Pequim, em 1997. Mas a China esmagou o regime democrático em Hong Kong e, agora, quer ocupar Taiwan ou impor um bloqueio marítimo à ilha, para estrangular a sua economia, como se isso não fosse ato de guerra.

Nesse contexto, o fato de Lula ter renovado, em forma de documento assinado em Pequim, o reconhecimento de que existe uma só China, da qual Taiwan é parte inseparável, serve como chancela brasileira para Pequim ir adiante nos seus planos.

O multilateralismo que chineses e russos vendem em contraposição aos Estados Unidos e ao Ocidente é uma falácia que está sendo comprada pelo presidente da República e pelo PT, em nome do Brasil.

Não se trata apenas de substituir o dólar como moeda de troca internacional, algo muito conveniente também para driblar sanções econômicas como as impostas à Rússia. Trata-se de substituir democracia por tirania. Não se trata de “equilibrar a geopolítica mundial” ou “mudar a governança mundial” juntamente com a China — e a Rússia —, mas de criar um desequilíbrio global em favor de ditaduras.

A paz que Pequim e Lula dizem querer na Ucrânia é a dos cemitérios, com a rendição de Kiev e a subalternidade completa da Ucrânia a Moscou.

O tal plano chinês de pacificação na Europa é uma farsa que acaba de ser inteiramente desmontada com a informação, roubada da inteligência americana e vazada em chats na internet, de que a China enviaria disfarçadamente armas à Rússia.

O Brasil tem na China o seu maior parceiro comercial e as oportunidade por lá permanecem crescentes, mas há valores que não deveriam ser objeto de intercâmbio. Nem precisariam.

A adesão de Lula e do PT ao eixo Pequim-Moscou é voluntária, ideológica, da matriz esquerdista antiamericana, não movida por pragmatismos, porque os Estados Unidos, afinal de contas, estariam nos deixando de mãos abanando e que ainda nos veriam como quintal. Se há circunstância nisso, é a raiva petista contra Washington por causa da Lava Jato.

Na semana que vem, depois do espetáculo de capachismo em Pequim, o presidente brasileiro receberá o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, para discutir “a paz” na Ucrânia, em sequência à conversa secreta entre Celso Amorim e Vladimir Putin.

Lavrov é um cínico como Molotov, o chanceler de Josef Stálin, e tornou pária no meio diplomático ocidental, com as suas mentiras e dissimulações. Sua vinda a Brasília só serve para fins de propaganda a Moscou. Alguns jornalistas brasileiros não entendem nada do que ocorre no mundo. Nem no Brasil.

Deu em Metrópoles

Ricardo Rosado de Holanda


Descrição Jornalista