Propaganda 13/01/2021 06:39
Marketing de Doria para divulgar Coronavac sai pela culatra e alimenta movimento antivacina
Governador apostou inicialmente por amplificar dados positivos e adiou divulgação dos números globais da pesquisa. Vacina do Butantan já lida com xenofobia anti-China estimulada pelo bolsonarismo
Uma sucessão de erros de marketing político do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que aposta na vacina contra a covid-19 como um trampolim para sua ambição de se candidatar à presidência do Brasil, vem alimentando o descrédito em torno da Coronavac.
Sua estratégia de divulgação saiu pela culatra e vem dando ainda mais fôlego a movimentos antivacina, segundo avaliam renomados cientistas sem ligação com a gestão estadual. Desenvolvido pelo estatal Instituto Butantan em parceria com o laboratório chinês Sinovac, o imunizante tem uma eficácia global de 50,38%, conforme foi divulgado nesta terça-feira em coletiva de imprensa.
O número é considerado bom e dentro dos limites aceitos pela comunidade científica, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Contudo, o Governo estadual havia apostado na semana passada em divulgar apenas os resultados parciais e, à primeira vista, mais positivos.
Autoridades anunciaram na última quinta-feira que o imunizante tinha uma eficácia de 78% para prevenir casos graves, moderados ou leves de covid-19, e de 100% para casos graves ou moderados.
Os números foram apresentados em coletiva de imprensa com a presença do governador Doria, mas foram ignoradas as cifras de casos muito leves da doença.
Considerando também esses casos, chega-se a uma eficácia geral de 50,38%. Isso significa que de um grupo de 4.599 voluntários que receberam placebo nos testes, 3,6% pegaram covid-19.
Entre os 4.653 voluntários que receberam a vacina, 1,8% contraíram a doença. Ou seja, a pessoa que foi vacinada tem metade das chances de ficar doente.
Para que esse dado viesse à luz nesta terça-feira, foi necessário pressionar o Governo estadual para que liberasse os dados completos da pesquisa.
Mas dessa vez Doria não compareceu à coletiva de imprensa.
“Foi extremamente prejudicial essa tentativa de fazer o resultado parecer mais favorável, de anunciar uma eficácia de 78%, que não é a eficácia real. Isso gera insegurança e muita dúvida na população”, explica a médica epidemiologista Denise Garrett ao EL PAÍS.
Com isso, o risco é de que o principal fique de fora: “O que temos é uma vacina com 50% de eficácia, que deve ser usada e já vai ajudar. É nisso que temos que estar focando”, acrescentou.
Natalia Pasternak, doutora em microbiologia e presidente do Instituto Questão de Ciência, participou da entrevista coletiva nesta terça-feira e resumiu a questão da seguinte maneira:
“Temos uma boa vacina. Não é a melhor vacina do mundo, não é uma vacina ideal, é uma boa vacina que tem a sua eficácia dentro dos limites do aceitável”, explicou a pesquisadora. Ela enfatizou que a vacinação não é o fim da pandemia, mas o começo de seu fim.
“Eu quero essa vacina, eu quero que meus pais tomem essa vacina, essa é uma vacina possível para o Brasil, compatível para nossa produção local. Uma vacina só e tão boa quanto a sua capacidade de vacinação”.
Já o jornalista Carlos Orsi, especializado em informação científica, fez uma sequência de tuítes na última sexta-feira falando —sem mencionar diretamente a gestão Doria— sobre como a comunicação da ciência pode cair na armadilha de não explicar um problema com quase “nenhum efeito prático” e acabar minando a credibilidade de uma pesquisa ou instituição.
“Se você esconde ou faz pouco caso de uma informação relevante porque tem medo que ela seja mal interpretada, sua atitude virtualmente garante que, quando ela vier a público, será mal interpretada”, argumentou ele na ocasião. “No longo prazo, transparência é a única forma de sustentar credibilidade. Isto não é ‘controverso’. É um fato bem estabelecido”.
Quem trabalha com comunicação da ciência acaba tendo de lidar com um monte de falsas controvérsias— questões que para os especialistas já estão bem resolvidas, às vezes há décadas, mas que parte da população ainda considera “polêmicas” (teoria da evolução, por exemplo).
Deu em El Pais
Descrição Jornalista
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