Governo do Estado 22/06/2020 13:02

Os “considerandos” do Ministério Público são mais do que uma “recomendação” ao Governo

Quando a leitura se estende aos "considerandos" da nota conjunta do Ministério Público para a Governadora e os Prefeitos, percebe-se que o alcance é muito mais do que "aconselhar".

Quando a leitura se estende aos “considerandos” da nota conjunta do Ministério Público para a Governadora e os Prefeitos, percebe-se que o alcance é muito mais do que “aconselhar”.

Deixa aberta uma considerável lista de possíveis delitos que os chefes de Executivo podem incorrer se “desobedecerem” a recomendação dos Promotores.

Leiam todos os considerandos:

CONSIDERANDO que no contexto da absoluta necessidade de adoção de medidas preventivas, a fim de minimizar os efeitos da pandemia do novo coronavírus (COVID-19), as quais indicam o isolamento social como a medida mais adequada à prevenção do seu alastramento e, assim, proteger de forma adequada a saúde e a vida da população norte-rio-grandense, o Estado do Rio Grande do Norte, dando sequência a expedição de uma série decretos normativos, editou, em 4 de junho de 2020, o Decreto nº 29.742, que instituiu a política de isolamento social rígido para enfrentamento do novo coronavírus (COVID-19) no Estado do Rio Grande do Norte e impôs medidas de permanência domiciliar, de proteção de pessoas em grupo de risco e dá outras providências;

CONSIDERANDO que referido ato normativo também previu a retomada progressiva das atividades econômicas no Rio Grande do Norte, definida a partir de parâmetros e protocolos de saúde, por meio de um planejamento responsável, ao lado das ações de combate à pandemia,  modo a resgatar a atividade econômica no Estado, setor que inegavelmente foi muito afetado pela pandemia e cuja relevância é fundamental para preservação dos empregos e da renda da população;

CONSIDERANDO que o Decreto levou em conta, para o planejamento da retomada econômica, os termos do Plano de Retomada Gradual da Atividade Econômica no Estado do Rio Grande do Norte, apresentado ao Governo do Estado pela Federação das Indústrias do Rio Grande do Norte (FIERN), Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado do Rio Grande do Norte (FECOMERCIO), Federação da Agricultura, Pecuária e Pesca do Rio Grande do Norte (FAERN) e pela Federação das Empresas de Transporte de Passageiros do Nordeste (FETRONOR), que previa o início das atividades de reabertura econômica a partir do dia 16/06/2020;

CONSIDERANDO que o Art. 12, §1º, do Decreto Estadual em comento estabeleceu a data de 17 de junho de 2020 como data inicial do cronograma para retomada gradual responsável das atividades econômicas no Rio Grande do Norte, condicionada à desaceleração da taxa de transmissibilidade da COVID-19 de maneira sustentada e à ocupação dos leitos públicos de UTI em percentual inferior a 70% (setenta por cento);

CONSIDERANDO que no dia 14/06/2020, o Comitê de Especialistas organizado pela Secretaria de Estado da Saúde Pública (SESAP/RN), cujo objetivo é servir de ambiente consultivo para embasar as tomadas de decisões do Governo do Estado para enfrentamento da pandemia, expediu a Recomendação nº 08, que apresentou tendências e estratégias de controle da doença causada pelo novo coronavírus (covid-19) e afirmou que a epidemia ainda está em expansão no Rio Grande do Norte (RN);

CONSIDERANDO que os indicadores analisados na Recomendação nº 8 do Comitê de Especialistas, ainda que assinalem um possível declínio da epidemia no Estado do Rio Grade do Norte, não evidenciam que se trate de uma tendência sustentada, uma vez que a métrica utilizada para avaliar a “evolução de óbitos por semana epidemiológica” abordou a queda do número de  fatalidades a partir do interregno de apenas uma semana, sendo recomendável uma análise de tendência por período mais longo;

CONSIDERANDO que, no mesmo documento, o Comitê de Especialistas asseverou que a análise dos indicadores vistos individualmente não nos permite hoje afirmar que estejamos já no pico ou no platô da epidemia para que haja um relaxamento das medidas de relaxamento social, assinalando que não seria POSSÍVEL FLEXIBILIZAR O ISOLAMENTO SOCIAL A PARTIR DE 16/06 COM BASE NOS INDICADORES APRESENTADOS, PRINCIPALMENTE A TAXA DE TRANSMISSIBILIDADE E A TAXA DE OCUPAÇÃO DE LEITOS DE UTI PARA PACIENTES COVID 19;

CONSIDERANDO que, no dia 15 de junho de 2020, o Governo do Estado do RN editou o Decreto nº 29.757, postergando o início da retomada gradual responsável das atividades econômicas e prorrogando a política de isolamento social rígido e as demais medidas para o enfrentamento do novo coronavírus (COVID-19) até o dia 24 de junho de 2020, levando em consideração que a taxa de ocupação de leitos públicos para tratamento da Covid-19 no patamar de 70% ainda não se concretizou, tendo sido registrada ocupação de 100% na Região Metropolitana de Natal e em Guamaré, 93,4% na Região Oeste e 67,7% na Região do Seridó;

CONSIDERANDO que em 19 de junho de 2020, o Governo do Estado do RN publicou a Portaria nº 006/2020-GAC/SESAP/SEDEC, estabelecendo a primeira fase do cronograma para retomada gradual responsável das atividades econômicas no Rio Grande do Norte de que trata o Decreto Estadual nº 29.742, de 4 de junho de 2020, denominando de “Fase 1”, levando em consideração os termos do Plano de Retomada Gradual da Atividade Econômica no Estado do Rio Grande do Norte, apresentado ao Governo do Estado pela Federação das Indústrias do Rio Grande do Norte (FIERN), Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado do Rio Grande do Norte (FECOMERCIO), Federação da Agricultura, Pecuária e Pesca do Rio Grande do Norte (FAERN) e pela Federação das Empresas de Transporte de Passageiros do Nordeste (FETRONOR); 

CONSIDERANDO que, em que pese não assinalada uma data para o início da reabertura econômica, os Ministérios Públicos têm conhecimento, a partir de informações prestadas por representantes do Governo do Estado, que a retomada das atividades terá início em 24/6/2020, sendo esta data que consta na apresentação resumida do Plano de Retomada Gradual da Atividade Econômica elaborado pelas entidades empresariais, cuja cópia foi disponibilizada às entidades ministeriais;

CONSIDERANDO que no dia 19/06/2020 as entidades ministeriais participaram de reunião por videoconferência com a Governadora do Estado, o Vice-Governador e diversos secretários estaduais, acerca da data inicial e do cronograma de retomada da abertura econômica, opondo-se à reabertura na data de 24/06/2020, defendendo o entendimento que o cenário epidemiológico deve ser soberano para a tomada de tal decisão, elencando, para tanto, argumentos técnicos epidemiológicos e de insuficiência de rede assistencial de leitos COVID-19 no Estado, considerando especialmente a análise técnica lançada pelo Comitê de Especialistas, na Recomendação nº 08, de 14/06/2020, e os dados sobre a elevada taxa de ocupação de leitos fornecidos pelo RegulaRN;

CONSIDERANDO que no referido encontro os representantes do Governo do Estado do Rio Grande do Norte não asseguraram aos Ministérios Públicos a prorrogação da política de isolamento social e a consequente postergação do início do Plano de Retomada Gradual da Atividade Econômica no Estado do Rio Grande do Norte, apresentado ao Governo do Estado pelas entidades empresariais, resumidamente argumentando a importância da retomada progressiva das atividades econômicas no Rio Grande do Norte, ao lado das ações de combate à pandemia, de modo a resgatar a atividade econômica no Estado, bem como que a SESAP estaria em fase final de abertura de novos leitos COVID-19, especialmente na região metropolitana;

CONSIDERANDO a Nota Pública expedida pelo Clube dos Diretores Lojistas – CDL, no dia 15/06/2020, pelo seu presidente José Lucena de Cordeiro Neto, na qual afirma que “ ao nosso limite. Fomos empáticos nesses quase 90 dias de isolamento social. Temos contribuído a todo momento, seja com plano de retomada das atividades (…) Só que não dá mais para continuar assim.”, denotando forte posicionamento em prol da retomada das atividades econômicas, mesmo em confronto com os dados epidemiológicos atuais;

CONSIDERANDO a Portaria do Ministério da Saúde nº 1.565, de 18 de junho de 2020, que estabelece orientações gerais visando à prevenção, ao controle e à mitigação da transmissão da COVID-19, e à promoção da saúde física e mental da população brasileira, de forma a contribuir com as ações para a retomada segura das atividades e o convívio social seguro, a qual prevê que “cabe às autoridades locais e aos órgãos de saúde locais decidir, após avaliação do cenário epidemiológico e capacidade de resposta da rede de atenção à saúde, quanto à retomada das atividades, de forma a preservar a saúde e a vida das pessoas. Para isso, é essencial a observação e a avaliação periódica, no âmbito loco-regional, do cenário epidemiológico da COVID-19, da capacidade de resposta da rede de atenção à saúde (…)”;

CONSIDERANDO que a publicidade quanto ao início da fase de reabertura inevitavelmente lança sob a população a ideia de que o pico da doença já está em vias de ser ultrapassado, o que não é verdadeiro, pois há evidências científicas, produzidas no âmbito do Comitê Científico de Combate ao Coronavírus – C4NE, no sentido de que diversas cidades do RN, como Natal, Parnamirim, Ceará Mirim, Areia Branca e Caiçara do Rio dos Ventos, por exemplo, continuam com elevado número de casos, o que agrega ainda mais preocupação, sobretudo, quando já se constata que o isolamento social no âmbito do Estado do Rio Grande do Norte ostenta índice abaixo do necessário, conforme Boletim Epidemiológico n.93, de 20 de junho de 2020, alcançando apenas 36,7%;

CONSIDERANDO que, nesse cenário de planejamento de reabertura, a taxa de ocupação de leitos ganha ainda maior relevo, mostrando-se absolutamente necessário que a taxa publicada seja atualizada, desconsiderando, para fins de seu cálculo, os leitos que não estão funcionando e, portanto, que não estão efetivamente disponíveis à regulação (conforme anotações consignadas nos próprios boletins de ocupação de leitos); 

CONSIDERANDO que Boletim Epidemiológico n.93, de 20 de junho de 2020, revela uma taxa de ocupação total de 97 % dos leitos de UTI públicas e 86% de UTI privadas;

CONSIDERANDO posicionamento público do médico Ion Andrade, integrante do Comitê de Especialistas, publicado no dia 20/06/2020, no qual se manifestou contrariamente à reabertura econômica dissociada dos dados epidemiológicos, e revelou que “(…) no RN e em Natal, a R(t) vem declinando segundo diversas fontes que a monitoram, mas ela não mede a fila de internamentos nem a de óbitos, ela é uma medida de velocidade do contágio que toca a novos casos. Os resultados talvez signifiquem que alcançamos o platô no que toca à transmissão de casos. As curvas de internamentos e óbitos, entretanto, só vão refletir essa queda da R(t) (a ser confirmada) cerca de 15 a 20 dias depois, que é quando esses dois desfechos estarão emergindo em decorrência do possível atual platô da transmissão”;

CONSIDERANDO que no mesmo posicionamento público, o médico Ion Andrade relata que o “exemplo de Natal é ilustrativo de um cenário que não aconselha o relaxamento, pois se a R(t) parece ter alcançado o platô, girando em torno de 1, como dissemos acima, a Taxa de Ocupação de Leitos continua em nível muito acima dos níveis mínimos de manejo. O cenário de melhoria dos indicadores, aliás, deverá ter permanecido por vários dias antes de que as condições de volta à normalidade estejam maduras para serem tomadas. Ou vidas, e não poucas, poderão ser perdidas”;

CONSIDERANDO o Relatório Estratégico de 12 de junho de 2020 do Laboratório de Inovação Tecnológica da UFRN – LAIS sobre o impacto do isolamento social em Natal, Parnamirim e Mossoró, o qual conclui e faz relação direta e linear entre a diminuição do isolamento social e o aumento do contágio da covid-19 desde o início da pandemia no RN, bem como entre a diminuição do isolamento social e a quantidade de óbitos ocorridos nos municípios referidos, deixando inequívoco o fato de que quanto menor o isolamento social maior o contágio e o número de óbitos; 

CONSIDERANDO que a legislação em vigor, notadamente a Lei Federal n. 13.979/2020, estabelece que a adoção de medidas de enfrentamento à emergência de saúde pública de importância internacional por COVID-19 deve estar respaldada em evidências científicas (art. 3º, par. 1º), o que evidentemente é aplicável à adoção de providências que promovem a flexibilização do isolamento social no Rio Grande do Norte, especialmente por não existir tratamento clínico atualmente eficaz para a patologia e, sobretudo, o manifesto crescimento do número de casos confirmados e de óbitos por COVID-19 no Estado;

CONSIDERANDO que a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda que somente ocorra relaxamento de medidas de isolamento social quando demonstrado o controle da transmissão do vírus, haja testagem para possíveis novos casos e, além disso, que o sistema de saúde tenha capacidade de atender pacientes ao mesmo tempo, com o isolamento de pessoas infectadas e identificação das pessoas que mantiveram contato com as infectadas;

CONSIDERANDO que constitui crime expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente, na forma do art. 132 do CP, delito que pode ser praticado pelo gestor que promover o relaxamento das regras de isolamento social sem observar as prescrições da OMS, das autoridades sanitárias estaduais e dos especialistas em epidemiologia;

RECOMENDAM a) à Excelentíssima Governadora do Estado do Rio Grande do Norte que se abstenha de adotar quaisquer medidas tendentes a flexibilizar o isolamento, garantindo que a retomada das atividades econômicas não essenciais ocorra apenas quando verificadas as condicionantes epidemiológicas e de percentual de taxa de ocupação de leitos clínicos e de UTI COVID, nos termos do §1º do artigo 12 do Decreto Estadual nº 29.742/2020.

b) aos(às) Excelentíssimos(as) Senhores(as) Prefeitos(as) dos municípios do Estado do Rio Grande do Norte que se dignem a cumprir fielmente os termos dos Decretos Estaduais n. 29.583/2020, 29.600/2020, 29.634/2020, 29.742/2020 e 29.757/2020, bem como dos que lhes sucederem, abstendo-se de praticar quaisquer atos, inclusive edição de normas, que possam flexibilizar medidas restritivas estabelecidas pelo Governo Estadual.

Fica ressalvada, na hipótese de necessidade local, devidamente justificada, a possibilidade de estabelecimento de medidas de prevenção de caráter mais restritivo.

Fixam o prazo de 24 (vinte e quatro) horas para a comunicação – a ser feita ao Ministério Público do Estado do RN, através da Procuradoria-Geral de Justiça (devendo ser feita comunicação eletrônica para o e-mail: pgj@mprn.mp.br) – acerca do acatamento dos termos da presente Recomendação, informando as providências adotadas, com o encaminhamento de decretos municipais ou outros atos eventualmente editados. Natal/RN, 22 de junho de 2020.

Ricardo Rosado de Holanda


Descrição Jornalista