TEREZA CRUVINEL/Denise Rothenburg/ADRIANA CAITANO
No momento mais crítico da aliança PT-PMDB, que elegeu a presidente Dilma Rousseff e sustenta o governo no parlamento, o líder peemedebista Eduardo Cunha avalia que o Planalto está “literalmente perdido no Congresso”. Ele anuncia que a maioria dos deputados peemedebistas é favorável ao rompimento do acordo, mas o partido “ainda” não. “Hoje, o governo finge que tem base e a base finge que é governo”, diz, nesta entrevista exclusiva para o Correio.
A agressividade, entretanto, vem no tom de quem deseja que essa situação seja revista. “Vocês acham que a gente briga para sair, mas nossa briga é para entrar, participar das políticas de governo. Hoje, não temos ministérios, temos ministros”, repisa, em tom de mantra. Ele, entretanto, apesar de achar que “não há nada tão ruim que não possa piorar”, prevê uma recuperação da presidente Dilma “Não pense que a Dilma morreu, ela está no segundo turno da eleição do ano que vem. O mundo do governo não acabou, e a recuperação política só depende dela.”
A aliança PT-PMDB atravessa o pior momento. O senhor concorda?
A aliança está mal, parada por vários fatores, mas acho que o mais grave para esse governo é a relação com o Congresso como um todo. O que vemos é uma base parlamentar completamente esfacelada. Havia antes uma discussão sobre os fundamentos da aliança PT-PMDB, dificuldades nos estados, problema de sub-representação, para os quais eu já havia alertado. Da parte do governo, havia uma aversão ao debate e ao diálogo político com os partidos. Depois das manifestações, parece-me que a própria governabilidade entrou em risco. Basta ver o que houve nas últimas votações, por exemplo, dos royalties, em que o PMDB foi muito correto e leal, votando em sintonia com o governo e o PT. Fomos derrotados juntos. A votação foi a fotografia clara de uma coalizão estraçalhada.
Como resolver isso?
Nós não somos o governo, somos o Congresso. Cabe ao governo buscar a saída, que é fazer mais política. Mas não tentando desviar do foco dos protestos e colocando os problemas no colo do Congresso, como na tentativa de plebiscito.
O que é “fazer mais política”?
Tratar das questões como sempre foram tratadas nesta Casa. Sempre afirmei que a articulação política do governo estava equivocada. Sempre houve uma dificuldade enorme de diálogo. E não estou dizendo novidade alguma. Li uma entrevista do ministro (da Educação, Aloizio) Mercadante dizendo a mesma coisa. Há quatro meses, mencionei esses problemas e fui chamado de rebelde. Até usei uma expressão, naquela ocasião: a ampulheta virou, entramos na contagem regressiva para as eleições, quando todos aqui passam a viver a síndrome TPE, tensão pré-eleitoral. A antecipação da campanha não foi feita por nós, e sim pelo próprio PT, no começo do ano, com o lançamento da candidatura da presidente Dilma. Quando isso acontece, as pessoas se sentem mais liberadas para expressar opiniões e a pensar no próprio umbigo. Esse quadro, que já prejudicava a governabilidade, foi agravado pelas manifestações e pelas quedas, que considero momentâneas, na popularidade da presidente.
Mas os problemas com o PMDB começaram com sua eleição para a liderança, não?
É aquela velha história: quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha? Não me elegi buscando a deterioração da relação do PMDB com o PT. Fui eleito por uma maioria que já carregava o sentimento de que estava difícil manter a aliança nas condições em que estava. A defesa da aliança ainda é majoritária dentro do PMDB. Pode até ser que, em algum momento, não seja mais.
Os problemas estão concentrados na Câmara? No Senado, as relações são mais pacíficas?
Em primeiro lugar, dois terços dos senadores não serão candidatos em 2014. A bancada na Câmara está em crise por conta de um somatório de pequenas coisas que levou muita gente a pensar: o partido tem seu tempo de televisão, calculado segundo o tamanho da bancada eleita, o que determina o peso da legenda lá na frente. O PMDB, em 2006, não participava da aliança e, no entanto, fez o maior número de parlamentares e ganhou força para negociar a coligação em 2010. Hoje, o partido percebe que, dentro da aliança, corre o risco de redução. Na eleição municipal do ano passado, embora conquistando o maior número de prefeituras, o PMDB perdeu parte das que tinha. Isso assustou a bancada, que viu a perda como consequência da política de aliança equivocada do governo Dilma. A partir dele, o PMDB ficou sub-representado e teve seu papel reduzido. Parece que o governo entendeu que, por ter indicado o vice na chapa vitoriosa, o PMDB não precisaria de mais nada. Na verdade, a bancada não briga para sair do governo. Briga para entrar, porque não entrou ainda.
O senhor disse que a defesa da aliança “ainda” é majoritária no partido. Quem quer rompê-la?
Não há dúvida de que alguns defendem a independência do partido em relação ao governo. Dentro da bancada da Câmara, eu diria que esta posição hoje é majoritária. Mas em nível de partido, de convenção nacional, que decide sobre alianças, ainda não é.
A maioria da bancada então prefere sair do governo, entregando os cargos?
A bancada nem está preocupada em entregar cargos, porque ela não os tem. Entregar ou não, para a bancada da Câmara, é exatamente a mesma coisa.
O que pesa para a continuidade da aliança?
O principal fator é ter aliança. Eles não nos veem como parceiros.
A crise então é de confiança?
Não, é de desprezo mesmo.
Isso pelo fato de ela não ter consultado os partidos antes de propor o plebiscito?
Isso foi só um detalhe. As coisas não são simplistas assim. Por exemplo, o PDT. A presidente demitiu o ministro do Trabalho, que era do partido, nomeou outro, indicado pela bancada, algo que nunca aconteceu com o PMDB. No entanto, o PDT liderou a rebelião da base contra o governo na votação dos royalties. Algo deve estar acontecendo.
Nem o ministro da Agricultura representa a bancada do PMDB?
A nomeação do deputado Antonio Andrade ocorreu para atender a uma necessidade de recomposição política com Minas Gerais. Não que nós não o apoiemos, mas ele não foi indicado pela bancada. Já cansei de falar: o PMDB não tem ministérios, tem ministros.
Por que o PMDB tem apenas ministros e não ministérios?
Qual cargo, abaixo do ministro, foi preenchido por indicação do PMDB? Não me lembro de nenhum. Alguns ministros talvez tenham nomeado o chefe de gabinete… O PDT, por exemplo, recebeu o ministério, integralmente, com todos os instrumentos. Isso envolve delegacias de trabalho poderosas nos estados, máquina forte para fazer política.
De que mais se queixa o PMDB?
O que o PMDB gostaria de se sentir como um aliado respeitado, de ser chamado a discutir previamente as matérias e a participar do debate das políticas públicas. No caso dos médicos, o ministro Padilha foi corretíssimo. Procurou dialogar antes, debateu. Já o Código de Mineração — que ainda nem estudei, logo não posso nem ser contra — foi apresentado aos líderes uma hora antes da entrega oficial. É uma questão de metodologia.
Então, trata-se da postura da presidente em relação ao partido?
Não quero personalizar. Defendo a manutenção da aliança, mas prego a revisão de suas bases.
A relação com o PT também é complicada?
A gente ouve ataques ao PT que são injustos. É que se ataca o PT naquilo que se gostaria de atacar o governo. O PT virou uma espécie de Geni da base.
E a relação com o vice-presidente?
O Michel (Temer) vive uma dualidade, é o presidente nacional do PMDB e o vice-presidente da República. Logo, tem que compatibilizar as dificuldades partidárias com a representação do cargo. Isso exige um equilíbrio, que ora cria problemas com o governo, ora com o PMDB. É natural.
Michel está ouvindo deputados de sua bancada. Tem alguém do governo ouvindo toda a base?
O governo já devia ter feito isso, mas, hoje, há um vazio. A articulação está difusa. Existe uma instância formal, que não consegue responder, e outra, que tenta responder, mas não está legitimada.
A referência é aos ministros Ideli e Mercadante?
Às vezes outros também atuam. O governo, dentro do Congresso, está literalmente perdido.
Dilma está isolada do Congresso?
O isolamento é do governo. Basta ver as matérias que estão sendo aprovadas. Vocês veem alguma racionalidade no plenário? Acham que a tendência é melhorar ou piorar? As coisas nunca são tão ruins que não possam piorar. Em toda votação, se houver manifestantes nas galerias, o custo adicional será de R$ 2 bilhões. Se cantarem o Hino Nacional, o valor dobrará. Se toda semana acontecer isso, não tem ajuste fiscal que segure as contas públicas. O país fica ingovernável.
Por que há aliados derrotando o governo?
Está se vivendo a seguinte situação: o governo finge que tem base e a base finge que é governo. Nesse clima, uma hora a base pode parar de fingir. Falo em tese. Ouvi uma frase fantástica, de um petista: “Semana passada, o PT perdeu sem o PMDB. Esta semana, perdeu com o PMDB. Já houve uma melhora”.
No Brasil, as coisas nunca terminaram bem para governos isolados do Congresso…
Temos uma presidente que estava com a popularidade altíssima, até essa crise começar. Que tem direito à reeleição e que, em qualquer circunstância — ela ou qualquer outro que a substitua no PT — estará no segundo turno das eleições. Eu sempre disse que teria segundo turno, e haverá, não por causa das manifestações. O Lula enfrentou dois turnos em 2006 e a própria Dilma em 2010. Temos uma presidente forte, bem avaliada, que faz um bom governo e tem tudo para disputar essa eleição com chances de ganhar. Ela tem plenas condições de superar o momento. Só precisa ter ofensiva e compreensão do que se está passando. Política é a arte da conversa, da mudança, da recomposição, do relançamento. Já fui muito criticado por dizer que o governo tem aversão à política. Agora, parece que isso está começando a mudar. Vai depender dela. Ninguém pense que Dilma morreu ou perdeu as chances de se reeleger. Ou que se acabou o mundo para o governo.
No PMDB, também existem os que desejam a volta de Lula como candidato?
O PMDB não trata dos problemas do PT. Não achamos que a mudança na cabeça da chapa seria uma tábua de salvação. Com todo respeito pelo (ex) presidente Lula, que considero o melhor que o Brasil já teve, não estamos aqui para desestabilizar o atual governo, do qual fazemos parte. Seria o encerramento precoce do governo dela.
Depois da rejeição do plebiscito, será possível aprovar alguma reforma política?
Se o grupo de trabalho interpartidário criado pelo Henrique (Eduardo Alves) não se viabilizar, o PMDB apresentará suas propostas e vai levá-las a plenário.
O governo está dizendo que o Congresso pagará caro por ter rejeitado o plebiscito…
Acho que o governo é que pode pagar caro por não ter entendido a agenda da rua e ter tentado transformá-la no plebiscito.
A presidente fará a reforma ministerial durante o recesso? Isso resolveria os problemas?
Cabe a ela decidir. Quanto a resolver os problemas, depende do que for feito. Quando se tem uma ferida na perna, não adianta trocar a atadura. Tem que curar a ferida, não é?
A bancada não briga para sair do governo. Briga para entrar, porque não entrou ainda”