A taxação imposta pelo Governo dos Estados Unidos ao Brasil pode frear um desempenho que vinha apresentando melhoras significativas na balança de exportação do Rio Grande do Norte.
Isso porque os primeiros seis meses de 2025 registraram crescimento de 120% em relação a 2024, o que fez com que o estado assinalasse o melhor semestre de exportações para o país norte-americano desde 2019 e o segundo melhor semestre desde 2015.
Dados da Secretaria de Comércio Exterior (Comex) mostram que o melhor semestre da década no RN havia sido o 1º de 2019, com US$ 81,7 milhões em exportações. Os números apontam ainda que o RN exportou US$ 67,1 milhões em 2025 (janeiro a junho), mesmo valor de todo o ano de 2024.
O crescimento em 2025 é sentido por vários setores exportadores do RN. Prova disso é que o Estado ocupou a 4ª posição no Nordeste no primeiro semestre de 2025, segundo dados da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene).
O RN ficou atrás apenas de Ceará, Bahia e Maranhão. Interlocutores do setor produtivo potiguar apontam preocupações com as medidas anunciadas por Donald Trump e pedem a revogação do ato, alegando que a tarifa, que entrará em vigor em 1º de agosto, ameaça negócios, investimentos e empregos.
Na comparação com os anos completos em 10 anos, o RN registrou números positivos acima de US$ 100 milhões em exportações em 2023 (US$ 162 milhões) e em 2019 (US$ 111 milhões).
“Nossa economia vem num processo de evolução bastante expressivo até em nível de balança comercial e exportação. Esse movimento vem se desenvolvendo de forma estruturada e contínua. A expectativa é que avancemos nisso. O cenário internacional tem uma problemática enorme pelas questões climáticas, variações do dólar, na parte do agronegócio, energias alternativas que temos de forma abundante. São cenários que favorecem nossa balança comercial. Na hora que surge essa taxação, fecha mercados para a gente, com consequências graves. Somos produtores de 98% do sal do Brasil. A indústria vai passar por um período crítico. Inviabiliza comprar com essa taxa em cima. É a lei de mercado”, explica o economista e integrante do Conselho Regional de Economia do RN (Corecon-RN), Helder Cavalcanti.
Dados levantados pela Sudene apontam que produtos como óleos de petróleo ou de minerais betuminosos (US$ 24 mi), peixes frescos ou refrigerados (US$ 11,5 mi), produtos de origem animal (US$ 10,3 mi), pedras de cantaria ou de construção (US$ 4,3 mi), produtos de confeitaria (US$ 4,1 mi), além do sal (US$ 3,4 mi) estão entre os principais produtos exportados pelo RN em 2025.
Em nível de Nordeste, a Coordenação de Estudos, Pesquisas, Tecnologia e Inovação da Sudene fez uma pesquisa para verificar os possíveis impactos da taxação para o Nordeste.
De acordo com o estudo, Ceará, Bahia e Maranhão serão os estados mais afetados, já que são os principais exportadores da Região para os EUA em 2025. Só este ano, até o mês de junho, a pauta de exportações do Nordeste para os Estados Unidos somou US$ 1,58 bilhão, o equivalente a R$ 8,7 bilhões. Em 2024, o Nordeste exportou pouco mais de US$ 2,7 bilhões.
“Temos um impacto de curto prazo e o de médio prazo. O impacto inicial é que as exportações para os EUA sejam suspensas por conta do aumento de preço. No médio prazo o risco é não recuperarmos esse mercado e perdermos de vez, tendo que brigar por um mercado que supra essas necessidades”, explica José Farias, economista e coordenador de Estudos, Pesquisas, Tecnologia e Inovação da Sudene.
Abertura de novos mercados é lenta
Mesmo com a taxação atingindo fortemente o Rio Grande do Norte, interlocutores do setor produtivo apontam que a situação faz com que a procura por novos mercados seja intensificada. O problema, no entanto, é que a abertura não é fácil e esbarra em questões logísticas e sanitárias.
“Quais as alternativas caso essa situação não seja resolvida? Para o petróleo se tem uma volatilidade maior, porque esse mercado é muito amplo. Quando falamos de pescado, sal e balas, com percentuais altos de presença no comércio americano, é difícil, não impossível, mas a prospecção de um novo mercado não é do dia para a noite. Tem-se todo um hábito e costume de preferência desses consumidores desses países em relação aos nossos produtos. Tem a questão logística também. Quando se fala em Ásia, pode-se ir para lá, mas o custo é outro. Tem toda uma construção que precisa ser realizada”, acrescenta Roberto Serquiz.
É o caso do atum e de outros pescados, por exemplo, que estão proibidos de ser enviados para a União Europeia desde 2018. Um exemplo dessa lentidão na abertura de mercado é o melão, que levou anos para obter uma autorização do Governo da China.
“Atendemos os Estados Unidos há mais de 30 anos. Temos um histórico longo. É um mercado que é difícil de se conquistar, tem muitas exigências, sejam legais, sanitárias, auditorias. Não é toda indústria que consegue penetrar para o maior varejo do mundo”, reforça Luiz Eduardo Gadelha.
Tarifaço afeta 3,2 milhões de empregos no país
O tarifaço de importação anunciado por Donald Trump ao Brasil tem o potencial de afetar quase 10 mil empresas brasileiras, que juntas empregam 3,2 milhões de pessoas.
Os números foram divulgados pela Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham Brasil). No Rio Grande do Norte, dados da Fiern apontam que o tarifaço pode afetar até 21 mil empregos.
A indústria salineira, por exemplo, emprega aproximadamente 4,5 mil pessoas no Rio Grande do Norte. Já a fruticultura, outro setor fortemente impactado, é responsável por cerca de 9 mil empregos no Estado. A pesca oceânica de atum no RN gera cerca de 1 mil empregos diretos e 4 mil indiretos, segundo dados do Sindipesca-RN.
Em nota, a Câmara Americana de Comércio para o Brasil pediu negociações “de alto nível” para revogação da medida que pode afetar uma relação histórica de negócios entre o Brasil e os Estados Unidos. “Reforçamos a importância de negociações de alto nível para evitar impactos negativos ao comércio bilateral e ao ambiente de negócios”, diz trecho da nota.
Fiern defende debate técnico
O presidente da Federação das Indústrias do Rio Grande do Norte (Fiern), Roberto Serquiz, informou que um eventual adiamento da taxação por um prazo de 90 dias poderia facilitar a revogação da medida dos Estados Unidos, uma vez que o Brasil teria a chance de mostrar os impactos com dados técnicos.

“Não há episódio econômico que justifique essa tarifa. A decisão é política. Sendo assim, você tem a necessidade de um tempo para que os ânimos possam se acalmar e se sente numa mesa, com a discussão em um plano técnico. Se formos para esse campo, temos uma relação de mais de 200 anos com os EUA, então vai se ver logicamente que ambos os países vão ter perdas. Claro que entre peso e contrapeso, nosso país tende a levar uma desvantagem, mas os Estados Unidos têm um superávit nessa relação bilateral. Se a discussão for técnica, vai se chegar a um denominador comum”, cita Serquiz.
Segundo representantes da principal indústria potiguar do setor de balas e caramelos, cerca de 30% de toda a produção local é destinada à exportação, com perspectiva de se crescer para 40% neste ano. Desse total, os embarques para os Estados Unidos representam quase metade.
A preocupação é que o tarifaço gere um sobrepreço nos produtos potiguares em território americano, tornando os doces menos competitivos nas prateleiras.
“Não existe nenhum setor que tenha tanta margem no Brasil que possa absorver uma taxação a esse nível. Já começamos o ano com 10% anunciada pelo Governo Trump. Sofremos um pouco, mas esses 10% consegue-se diminuir. Mas 50%…
qualquer importador vai pegar essa taxa que ele precisa pagar na frente para liberar o produto, vai jogar essa taxa no seu custo, se ele tiver margem ele joga 40 ou 30, e consequentemente para o varejo, com o produto ficando mais caro. Ele mais caro, o volume de vendas diminui, o consumidor procura outras alternativas.
Os efeitos negativos são em cadeia”, explica Luiz Eduardo Gadelha, diretor de exportações da Simas/Sams, única fabricante de balas, pirulitos e caramelos do Norte-Nordeste. A geração de empregos atinge 700 postos de trabalho de maneira direta.
Outro setor fortemente ameaçado com o tarifaço é o de atum, com o RN sendo um dos principais protagonistas no pescado de alta qualidade e exportando praticamente 80% de sua produção para os Estados Unidos.
“No caso do pescado, não temos como repassar para o cliente (a taxa) e eles podem comprar de outros países”, cita Arimar França, presidente do Sindicato da Indústria da Pesca do RN (Sindipesca-RN), acrescentando que o segundo semestre representaria mais da metade do faturamento do setor.
“Estávamos aumentando esse mercado sensivelmente. O peixe congelado, já não estamos mais enviando”, complementa, uma vez que a viagem aos Estados Unidos de navio pode chegar a 15 dias, com o produto já correndo o risco de ser alvo da taxação em agosto.
O presidente do Sindicato da Indústria da Extração de Sal (SIESAL-RN), Airton Torres, destaca que os EUA respondem por 47% de todos os negócios que a indústria salineira tem com o exterior, segundo dados dos últimos seis anos levantados pelo sindicato.
“Os Estados Unidos são, notadamente, o maior importador de sal do mercado atingível pelo produto sal brasileiro, com participação de 27% dos embarques”, informa.
Torres aponta que os Estados Unidos consomem cerca de 16 milhões de toneladas de sal importado e têm um consumo total de aproximadamente 50 milhões de toneladas anuais, valor expressivamente superior ao consumo interno. “A título de informação, o mercado brasileiro consome por ano cerca de 7 milhões de toneladas”, destaca.