A decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), que impôs medidas cautelares ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) na sexta-feira (18), como uso de tornozeleira eletrônica, proibição de usar redes sociais e comunicação com diplomatas, tem gerado reações distintas no meio jurídico.
Enquanto alguns juristas defendem a legalidade e a necessidade das medidas, outros apontam excessos e inconstitucionalidades.
Veja abaixo cinco pontos de divergência entre especialistas:
1. Risco de fuga
Para o advogado constitucionalista André Marsiglia, o argumento de que Bolsonaro representaria risco de fuga por se aproximar de embaixadas estrangeiras não se sustenta. “Agora então aproximar-se de embaixada passou a ser um risco de fuga? O entendimento do próprio ministro muda ao sabor do vento e isso é grave”, afirmou.
Já Marco Aurélio de Carvalho, advogado e coordenador do grupo Prerrogativas, defende a decisão do Supremo. Segundo ele, há elementos concretos que justificam o receio de evasão: “Ele já tinha ido à Embaixada da Hungria, o filho abandonou o mandato para ir aos Estados Unidos, e o presidente dos EUA manda carta acolhendo Bolsonaro. Isso é muito grave, portanto, tem que respeitar a decisão do Supremo”.
2. A atuação de Alexandre de Moraes
Marco Aurélio considera a decisão do ministro consistente, visto que “a Primeira Turma confirmou por unanimidade [as medidas cautelares contra Jair Bolsonaro], portanto já não é uma posição isolada do ministro Alexandre. Ele tá sendo coerente com que ele pensa”, disse o coordenador do grupo Prerrogativas.
“Quando eu evoquei a coerência do ministro Alexandre de Moraes, foi a coerência em interpretar a lei, eu posso ter discordâncias pontuais, mas eu tenho que respeitar o Supremo como última instância. Ele tem sido coerente na interpretação que ele faz da Constituição”, acrescentou.
Já Marsiglia critica a postura do ministro: “O ministro Moraes precisa ser coerente com a Constituição, e não com ele. Se ele está sendo incoerente com a Constituição, ele precisa corrigir todas as decisões, não só essa”
“A lei é o que é, e não o que deseja um juiz. Se ele tem receio que as redes sociais possam ser utilizadas pra instigar alguém, nesse momento, ele passa por cima do princípio básico da nossa Constituição, que é a liberdade de expressão, ele tá violando a Constituição e ele não tem direito de fazer isso”, completou o advogado.
3. Crime contra a soberania nacional
O entendimento de Moraes de que Bolsonaro atentou contra a soberania nacional ao apoiar articulações do filho, o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) com o governo dos EUA também divide opiniões.
Marco Aurélio vê gravidade no caso: “Há um risco à ordem pública e econômica. Então, se há um crime contra a soberania nacional, eu não tenho a menor dúvida em relação a isso. A presença de um dos filhos do Bolsonaro nos Estados Unidos deixa isso claro.”
Marsiglia discorda: “Se alguém denuncia ilegalidades no país a estrangeiros, isso não é atentado à soberania, isso é liberdade de expressão. Se os EUA reagem a isso, é problema deles, não de quem denunciou. Se o Eduardo foi lá fora e fez essas denúncias e os Estados Unidos resolveram tomar uma providência, isso deve ser uma questão interna dos Estados Unidos, não é culpa de quem denunciou.”
4. Proibição do uso das redes sociais
Entre as medidas cautelares imposta por Moraes está a proibição de Bolsonaro de utilizar as redes sociais.
A determinação, segundo Marsiglia, configura censura. Ele compara com o caso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), quando o STF entendeu que impedir comunicação seria inconstitucional: “Estamos diante de uma cautelar aqui que, além de inconstitucional, é censória, que é a de proibir redes sociais. Agora Bolsonaro, numa situação de preventiva, é impedido de usar as redes sociais?”
Marco Aurélio discorda e defende a legalidade da medida: “Há previsões expressas na legislação. Se fosse prisão, não seriam medidas cautelares. Há motivos fundados para a adoção dessas medidas cautelares. Não há perseguição, é aplicação da lei.”
5. Discurso como forma de coação
Outro ponto de controvérsia é se postagens feitas por aliados, como o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), podem ser interpretadas como tentativa de obstrução de Justiça. Para Marsiglia, não: “Quando estamos no terreno do discurso, é difícil a gente pensar em coação. Se coagir ou obstruir a justiça se fizesse por meio da palavra, a gente não poderia então ter liberdade de expressão no país.”
Marco Aurélio, por sua vez, destaca a responsabilidade do discurso político: “A palavra pode ser instrumento para o cometimento de vários crimes. Quando a palavra é exarada por uma liderança política, ela tem um caráter ainda mais significativo, porque essa liderança política tem uma responsabilidade política.”
O que diz a defesa de Bolsonaro
Na sexta-feira (18), a defesa de Jair Bolsonaro criticou duramente a decisão do STF. Em nota, afirmou ter recebido com “surpresa e indignação” as medidas cautelares, argumentando que o ex-presidente “sempre cumpriu com todas as determinações do Poder Judiciário”.
Na operação da Polícia Federal, foram apreendidos cerca de US$ 14 mil na casa do ex-presidente, além do celular dele e um pen drive encontrado no banheiro. As investigações apontam que Bolsonaro teria atuado para instigar outros países a interferirem em decisões internas do Brasil — o que, segundo Moraes, fere diretamente a soberania nacional.