Pandemia 14/04/2021 09:00

Existe um lado bom na quarentena? Veja o que dizem pesquisas

Restrições aumentaram a sensação de pertencimento e diminuíram a valorização de bens materiais em detrimento de relações pessoais

Apesar do incômodo causado pelo lockdown, um estudo feito por pesquisadores da Otago University, na Nova Zelândia, mostra que o distanciamento social pode ter causado impactos psicológicos benéficos.

Em vez de fazer perguntas sobre solidão, depressão e uso de drogas, a equipe de psicólogos questionou os participantes a respeito de aspectos positivos que eles teriam experimentado durante o bloqueio total feito no país no início da pandemia, em abril de 2020.

Os níveis de estresse, ansiedade e depressão aumentaram durante o lockdown, especialmente entre os mais jovens, de acordo com os pesquisadores.

Ainda assim, o estudo apontou que as medidas de distanciamento social e uso de máscaras também possibilitaram sensações positivas relacionadas à saúde mental.

A sensação de assumir o controle da própria vida e ajudar os outros foram as atitudes que mais aliviaram o estresse sentido pelo bloqueio.

Em contrapartida, a perda de apoio social foi o indicador mais forte e consistente de ansiedade e depressão.

O estudo, publicado na revista científica Plos One, foi feito a partir de um questionário online enviado a 2.010 participantes. Quase metade deles relatou ter vivido momentos de esperança pessoal e mais de um terço disse ter notado “uma fresta de esperança” para a sociedade como um todo.

Para Matthew Jenkins, psicólogo que liderou o trabalho, o lockdown representou um momento crítico na vida das pessoas, “criando uma oportunidade de parar, fazer um balanço, refletir e se conectar com os outros”.

Segundo ele, muitas pessoas relataram que comportamentos de gentileza e ajuda ao próximo se tornaram mais comuns durante o período, bem como “um senso antiquado de comunidade e carinho que não era aparente antes do bloqueio”.

Os resultados positivos têm a ver com a condução da pandemia feita pelo governo neo-zelandês. O país foi um dos que adotou as medidas mais restritivas do mundo, e muitos participantes disseram que ficavam felizes em cumprir as restrições porque isso os fazia “sentir que estavam fazendo a sua parte por sua comunidade”.

Os sacrifícios feitos pela população durante os bloqueios totais fizeram com que alguns indivíduos sentissem que estavam contribuindo para um bem maior, ajudando a manter os membros vulneráveis ​​da comunidade seguros.

“Esse raciocínio destaca o papel crucial de mensagens claras do governo. O governo da Nova Zelândia forneceu atualizações diárias sobre números de casos, recuperações e testes; a alta transparência recebeu reconhecimento internacional”, escreveram os autores.

Espírito comunitário

A sensação de pertencer a uma comunidade parece ter nascido do próprio trauma da própria pandemia, de acordo com a pesquisa.

Na interpretação dos especialistas, o sentimento crescente de conexão social teria sido estimulado por uma consciência das pessoas ao redor e de si próprio, o que pode ter sido uma forma de lidar com a incerteza a respeito dos rumos da pandemia.

Outro estudo, conduzido pela Universidade Mehmet Akif Ersoy, na Turquia, descobriu que o sentimento de pertencimento estava associado a um maior bem-estar psicológico entre os participantes durante a pandemia. Mais do que simplesmente sobreviver, as pessoas estavam buscando maneiras de prosperar.

Na pesquisa, muitos disseram que reservaram um tempo para refletir pessoalmente sobre seus valores e futuro, para que pudessem “decidir o que é realmente importante”.

Pouco mais de 30% dos participantes afirmou sentir um maior senso de auto-responsabilidade, já que o lockdown permitiu com que eles estabelecessem seus próprios horários de trabalho e de atividades físicas. Durante o confinamento, os entrevistados também perceberam que passaram a valorizar menos as coisas materiais, direcionando o interesse para família e amigos.

Mais da metade dos entrevistados se considerou grato pelas novas interações sociais e por um “renovado senso de coesão comunitária” proporcionadas pela pandemia.

De acordo com Juliana Gebrim, psicóloga clínica e neuropsicóloga pelo Instituto de Psicologia Aplicada e Formação de Portugal (Ipaf), a quarentena trouxe aspectos positivos para algumas pessoas. Ainda que a aproximação tenha acontecido majoritariamente via videoconferência ou pelo telefone, o período foi propício para fortalecer vínculos.

Outra consequência positiva apontada pela especialista foram pessoas que conseguiram se adaptar criativamente durante a pandemia, muitas vezes até mudando de profissão. “É uma forma de visualizar momentos de crise como uma oportunidade”, completa Gebrim. Para pessoas que trabalhavam em ambientes tóxicos, o home office pode ter representado uma forma de fugir dos estímulos negativos, o que contribuiu para a manutenção da saúde mental.

Uma forma de enfrentar os efeitos adversos desse período é investir em atitudes otimistas, de acordo com a psicóloga. Pode ser difícil visualizar oportunidades em meio ao caos, mas tentar manter o equilíbrio emocional é indispensável.

“Cultivar o otimismo leva a gente a ver o futuro com expectativa positiva. Então, a visualização otimista do futuro nos permitirá imaginar novos tempos em que a pandemia já fará parte do passado. As pessoas deixaram de pegar trânsito, tivemos mais aproximação no âmbito familiar. É só a gente detectar que tudo na vida tem dois lados. Com isso, a gente já facilita esse olhar mais positivo em relação à restrição de liberdade, além de lembrar que esta é uma situação temporária. A pandemia vai passar.”

Deu em Metrópoles

Ricardo Rosado de Holanda


Descrição Jornalista